Uns apenas deixam elogios. Outros falam com medo. Ainda há os que traçam um caminho que vagueia entre o respeito e o receio. Nenhum se atreve a dar a cara ou o nome. “Para não ter problemas”, justificam.
A noite do Porto é há já alguns anos domínio da SPDE, empresa de responsável pela segurança no estádio do Dragão, que faz há anos as Noites da Queima e cujos principais dirigentes e operacionais se encontram em prisão preventiva desde o início da semana no âmbito de uma investigação por um extenso rol de crimes, com a associação criminosa à cabeça.
Na zona da movida, na baixa da cidade, é vê-los, aos seguranças da SPDE, gente “treinada para bater” – como descreveu uma fonte ao P24 –, porta sim, porta não. A empresa de Eduardo Silva – cuja atividade na segurança privada remonta ao final dos anos 90, primeiro com um grupo de amigos e depois na empresa Segureza – tem praticamente o monopólio da segurança privada de todos os bares da cidade – para além da baixa, controla a zona industrial. Sejam casas com nome feito no mercado, estabelecimentos em princípio de vida e a dar os primeiros passos no negócio ou espaços que já foram grandes e procuram retomar o caminho do sucesso.
A via que leva a esse poder quase absoluto divide opiniões. “Eles quase se impõem pela força. Têm uma abordagem agressiva se não conseguirem que os seus seguranças tomem conta de uma casa”, conta um dos empresários que aceitou falar ao P24. Outro assinala que a “SPDE sabe que dificilmente os bares lhe podem fugir”.
Mas há quem defenda que a SPDE foi “o melhor que aconteceu à noite” da cidade. Porquê? “Veio dissuadir a violência quando esta antes era provocada pelos diferentes gangues que povoavam o Porto”, segundo conta uma das fontes ouvidas pelo P24.
Ninguém revela valores, apenas se diz que “os preços [praticados pela SPDE] não são exorbitantes”. E fica uma certeza: “Não há problemas à porta dos bares e afins. Se os seguranças da SPDE [alocados a determinado bar] não conseguirem resolver o problema, chamam outros que ajudam a controlar a situação”. Como nos relembra alguém com muitos anos na noite, “antigamente era normal haver confusões quase diariamente” e “a SPDE, com os defeitos que poderá ter, procura evitá-las”.
O regime do exercício de atividade de segurança privada, criado há dois anos através do Decreto-lei 34/2013, de 16 de maio, veio mudar tudo para Eduardo Silva e companhia.
A partir da publicação desta lei a SPDE passou a controlar a movida quase sem oposição de empresas concorrentes. E aqui as opiniões dividem-se. Uma parte dos empresários ouvidos pelo P24 garante que a SPDE “se foi impondo através do medo e de coação para com empresários”, outra defende que “o processo foi limpo, sem imposições e com cordialidade”. “Deixou de haver cobrança de proteção, há respeito pela lei”, frisam.
Unanimidade apenas num ponto: com a legalização da segurança privada “acabaram os sinais de insegurança” existentes anteriormente, em parte, pelo buraco legislativo que tardou ser preenchido. “As guerras entre os diversos gangues era muitas. A Noite Branca ficou para a história como um dos piores episódios da noite do Porto, senão o pior”, lembra uma das fontes ouvidas pelo nosso jornal.
A Noite Branca, recorde-se, foi um longo ajuste de contas entre gangues rivais que controlavam a segurança noturna no Porto, que durou cinco meses e terminou com cinco mortes, em 2007.
Após a detenção e julgamento dos principais suspeitos, a situação acalmou e criou-se “uma espécie de vazio” na noite portuense, no que à segurança privada diz respeito – pelo menos, de um aparente vazio, já que, nessa altura, a caminhada da SPDE já começara há muito (ver caixa).
Ninguém controlava verdadeiramente território algum, “houve até alguma anarquia” enquanto, curiosamente, na noite do Porto se multiplicavam espaços e cresciam a mobilização e atividade noturna. “Foi o período em que a baixa voltou a estar na moda e a chamar mais pessoas”, recordam os empresários.
Aos poucos, a SPDE “foi tomando conta do território”. Beneficiando do fim da segurança ilegal, ou de grande parte dela, abordou cada vez mais empresários e tomou conta de cada vez mais locais.
“A publicação da lei do exercício segurança privada alterou a realidade. O que a SPDE já dominava de forma, digamos, informal, passou a dominar de forma quase oficial e em regime de monopólio”, explica uma das fontes ouvidas pelo nosso jornal.
“Informal” é, no entanto, no entender de outras fontes ouvidas pelo P24 um eufemismo, havendo mesmo quem fale em “máfia da noite”.
A lei de 2013 veio regulamentar a atividade da segurança privada e “encaixá-la na legalidade”. “Isso foi bom porque alguns dos abusos antes cometidos passaram a não existir tanto”, referiu uma das fontes, que assinala: “A SPDE passou a ser dona e senhora da noite do Porto”. “A SPDE domina a movida e beneficiou da lei porque, uma coisa é certa, eles atuam dentro de todos os parâmetros requeridos, é tudo às claras e sem subterfúgios”, corrobora outra pessoa.
Segundo apurou o P24, a SPDE chegou a pagar aos seus operacionais, por noite, entre 40 e 100 euros, valores que hoje serão um pouco mais baixos.
O patrão Edu
Eduardo Silva – ou Edu, como é conhecido no meio – é o homem forte da SPDE. E é um dos 15 detidos na Operação Fénix. Encontra-se em prisão preventiva, suspeito de “associação criminosa, segurança privada ilegal, coação, extorsão e ofensas à integridade física agravadas pelo resultado”, conforme nota do Comando Metropolitano da PSP de Lisboa, que desencadeou e operacionalizou, juntamente com o Ministério Público, a investigação.
Segundo apurou o P24, a investigação conhecida na quinta-feira da semana passada – com notícias de buscas às instalações do FC Porto e em casa do vice-presidente do clube, Antero Henrique – começou no seio da Diretoria do Norte da Polícia Judiciária, mas, à falta de resultados e tendo as chefias desta polícia considerado que havia perigo de fuga de informação, o caso passou para Lisboa e acabou nas mãos da PSP.
“Não acredito que seja acusado desses crimes todos. É impossível”, diz um dos empresários ouvidos pelo P24. “A empresa pode ter alguns métodos duvidosos, mas dele não há nada apontar”, acrescenta outro.
A ideia geral é que existe uma separação entre Eduardo Silva e o que é o mundo da SPDE.
“O Edu é um negociador nato. Nunca o vi alterado com ninguém, os episódios de coação nunca podem ser com ele porque o Edu não ameaça, ele tenta vender o seu produto de uma forma quase diplomática, até. A questão é que há pessoas na SPDE que não são assim, estou a falar de operacionais do terreno, e depois junta-se tudo no mesmo saco, o que acaba por ser injusto”, refere uma das fontes. “É um homem educadíssimo, ao contrário de outros na SPDE. Provavelmente está a levar por tabela”, resume.
O P24 tentou falar com a SPDE, mas sem sucesso. A empresa alegou “não ser oportuno prestar declarações nesta altura”, remetendo-nos para esclarecimentos via email que não foram prestados até ao fecho desta edição.
SPDE
Uma empresa, muitos braços de atividade
O universo da SPDE abrange sobretudo dois mundos: a noite e o desporto. Neste último, o caso mais evidente de domínio da empresa de Eduardo Silva é o do estádio do Dragão. O recinto do FC Porto é controlado pela SPDE – daí as buscas a casa de um dos vice-presidentes portistas, Antero Henrique –, assim como o Dragão Caixa. A SPDE também se notabilizou por fazer a segurança do mediático Circuito da Boavista em automobilismo. Esta empresa foi, de resto, estendendo a sua atividade a estabelecimentos noturnos fora da Invicta, nomeadamente em Viana do Castelo, Penafiel, Espinho, Santa Maria da Feira, Aveiro e ao Algarve, através de parcerias com seguranças que já dominam essas zonas e que resultam numa percentagem para a empresa do Porto.
Baleado
Escapou à morte por um triz
A noite de 24 de julho de 2010 foi o princípio da segunda vida de Eduardo Silva, o ‘patrão’ da SPDE. Foi nessa data que Edu, hoje com 42 anos, foi baleado na cabeça à porta do bar Porto Inn por um segurança rival, conhecido pela alcunha de Pittbull, com quem discutia devido a confusões passadas, meses antes. O tiro, disparado a pouquíssimos metros, acabou por atingir a cabeça de Eduardo Silva apenas de raspão. Foi ao hospital e teve alta na mesma noite.
Os números da Operação Fénix
7
São 7 os crimes de que são suspeitos os envolvidos na operação Fénix: associação criminosa, coação agravada, exercício ilegal de segurança privada, extorsão agravada, detenção de arma proibida, favorecimento pessoal e ofensas corporais agravadas.
8
Oito anos é a pena máxima a que pode ser condenado o líder de uma associação criminosa. O crime de exercício ilegal de segurança privada é punido entre até 5 anos de cadeia. E o de extorsão até 15.
15
Foi este o número de detidos no âmbito da operação Félix. Catorze deles, incluindo Eduardo Silva, ficaram em prisão preventiva.
70.000
Foi este o valor em notas alegadamente apreendido pela PSP em casa de Antero Henrique, vice-presidente do FC Porto. O dirigente e o clube mostraram-se disponíveis para prestar toda a colaboração com as autoridades.